Por: Prof. Doutora Marília Pereira Bueno Millan
O mundo contemporâneo nos atrai e excita com uma série de objetos e tecnologias. Sob a égide do capitalismo dominante somos convidados a consumir indefinidamente, usufruindo do prazer imediato de cada nova aquisição.
As sensações nos seduzem e evanescem a capacidade crítica, em um circuito crescente de experiências narcísicas, que se repetem em função de sua natureza volátil. Poderíamos pensar diante desse breve panorama que estaríamos todos próximos a nós mesmos, tendo consciência de necessidades, desejos e meios de satisfazê-los, o que configuraria noções claras de autoconhecimento.
Porém, é possível perceber a superficialidade de tais experiências diante da rapidez em que ocorrem e do caráter quantitativo que as subsidiam. O fato de estar centrado em si mesmo não torna o sujeito contemporâneo conhecedor de sua própria subjetividade. O que está em jogo é um movimento regressivo, preponderantemente sensorial, no qual o corpo desempenha o papel principal.
Nesse sentido, o cenário atual não é convidativo aos processos mentais relativos ao autoconhecimento, mais lentos por natureza, fonte de angústias e pouco prazerosos em um primeiro momento. Se o mundo tangível se apressa a nos dizer quais são nossas necessidades “reais” e nos oferece os “melhores” objetos para satisfazê-las, por que buscar alguma verdade escondida dentro de nós sem qualquer promessa ou garantia de satisfação? Como bons representantes do processo de seleção natural, nos adaptamos ao meio ambiente e aceitamos prontamente aquilo que nos é oferecido. Como, então, no momento específico de escolher uma atividade profissional, acabamos procedendo? É interessante observar que a tendência a buscar uma profissão leve, fácil, prazerosa e rentável torna-se o princípio básico de muitos jovens, que simplesmente desconsideram a indagação primeira e mais óbvia: quem sou eu? A partir daí, surgiriam as questões subsequentes sobre desejos, aptidões, história de vida, vocação. Mas, se não são formuladas perguntas sobre o próprio sujeito, as dúvidas acabam recaindo apenas sobre as ocupações profissionais, objetos tangíveis do mundo circundante.
Apesar de termos hoje uma gama imensa de opções, o que, sem dúvida, dificulta o processo de escolha, a dissociação entre sujeito e objeto obstaculiza o encontro de possibilidades viáveis e a tomada de decisão. Além disso, a idealização da atividade profissional, cujo objetivo restringe-se a proporcionar prazeres e facilidades ao sujeito, torna praticamente impossível o enfrentamento das vicissitudes e angústias inerentes ao processo de tornar-se profissional. Daí, em parte, as razões para os frequentes abandonos e trocas de cursos de formação. Não podemos deixar de considerar também a labilidade inerente à fase da adolescência, quando ocorre a maior parte das escolhas ocupacionais, o que claramente provoca interferências.
Considerando a velocidade dos processos humanos promovida pelo desenvolvimento tecnológico, o consumo desenfreado de objetos, a busca por satisfação sensorial e as experiências fugazes de prazer imediato, podemos dizer que o tempo disponível para a introspecção, observação, análise, síntese, estabelecimento de relações e vínculos, e reconstituição histórica, aspectos estes inerentes ao processo de autoconhecimento, é hoje quase inexistente em termos de importância. O foco recai sobre o desejo, também imediato, de resolução, ou seja, o consumo da atividade profissional como a escolha de um objeto que visa ao prazer, à supressão de qualquer sinal de angústia ou de conflito psíquico.
Portanto, torna-se fundamental a intervenção do psicólogo como mediador do processo de escolha da ocupação profissional, ou seja, como alguém capaz de oferecer um espaço reflexivo e continente em que o sujeito poderá ser acompanhado em sua trajetória de autoconhecimento, condição sine qua non para a escolha consciente da atividade laboral.